sexta-feira, 8 de março de 2019

'A todo tempo implorei por minha vida e eles apenas riam', conta vítima torturada por membros de facção criminosa

'Tribunal do crime' foi realizado em Presidente Prudente em janeiro do ano passado. Cinco integrantes do Primeiro Comando da Capital foram presos e condenados pela Justiça.

Por Stephanie Fonseca, G1 Presidente Prudente

Em depoimento à Polícia Civil, a vítima torturada por membros do Primeiro Comando Capital (PCC), que foram condenados pela Justiça pelo crime, em Presidente Prudente, deu detalhes da ação violenta. O rapaz sofreu graves lesões e pressão mental. O G1 separou alguns trechos. O "tribunal do crime", no Conjunto Habitacional João Domingos Netto, ocorreu em janeiro de 2018 e a sentença da 3ª Vara Criminal de Presidente Prudente, que condenou os envolvidos no episódio, foi publicada nesta quarta-feira (6).

A vítima detalhou que chegou a Presidente Prudente no dia 31 de dezembro de 2017 para ajudar seu pai num trabalho de solda.

No dia 2 de janeiro de 2018, por volta das 19h30, foi ao Parque do Povo, e viu nas quadras esportivas um indivíduo pardo, com aproximadamente 1,80 metro de altura, um pouco gordo e com tatuagem. A vítima foi até o sujeito e disse que queria conhecer uns caras que usavam maconha.

Foi quando “inventou uma história para tentar se 'enturmar'”. “Disse que já fora preso no Estado do Espírito Santo, que já havia assaltado e cometido outros crimes”, segundo o depoimento ao qual o G1 teve acesso.

O indivíduo, então, se interessou pela conversa e fez diversas perguntas à vítima. “A todo tempo esse indivíduo teclava com alguém via WhatsApp e chegou a convidar para tomar uma cerveja. Foram ao boteco ao lado da quadra e chegaram a beber uma garrafa”, relatou.

A vítima confirmou às autoridades que “tudo era uma invenção apenas para ficar 'de boa com os caras do crime e conhecer gente, pois, gosta de fumar maconha'”.

Segundo ela, “tudo estava indo bem, como se estivesse sendo amigo”, até que o indivíduo a convidou para “dar umas voltas na cidade”, o que foi aceito, “pois, estava cansado do tumulto da casa do pai”.

“Foram até o carro que achava que era desse indivíduo, um veículo velho, aparentando ser um Fiesta escuro, e que reparou que não tinha vidro de trás, apenas um plástico. Entrou no carro com dificuldade, pois a porta não abria. Com este indivíduo foram até um bairro afastado. Já era noite, escuro, e demorou uns 20 minutos para chegar, um bairro com ruas largas, mas de casas populares, bairro limpo, popular, mas, não favela”, de acordo com o documento.

Quando chegou em uma dessas casas, a vítima percebeu que havia outros indivíduos. Ambos (vítima e indivíduo) pararam em uma residência de cor clara, que possuía apenas muros provenientes dos imóveis adjacentes e não tinha calçada.

Momento em que “o tom da conversa mudou”.

Então, começaram os xingamentos e as agressões.

Confira trechos do depoimento da vítima à polícia obtido pelo G1:
O rapaz torturado contou que ficou muito assustado e já começou a desmentir dizendo que era trabalhador, honesto e que era uma brincadeira, mas os criminosos o mandaram entrar e foi até um quarto. Nesse quarto, sem luz, havia apenas a fresta da porta, o rapaz sofreu muitas ameaças e os torturadores diziam que iriam matá-lo, gritavam na cabeça e apontavam dedo.

A confusão continuou até que a vítima ouviu o barulho de outro carro se aproximando e distraiu os indivíduos ao dizer que era uma viatura policial.

“Na hora os caras me soltaram para disfarçar e olharam para cima quando comecei a correr. O máximo que pude. E os caras gritando ‘pega, pega’. Corri e entrava nos quintais pedindo para me ajudar e ninguém abria. Até que pulei em uma casa e vi que estava vazia. Chutei a porta e quebrou o vidro. Quando fui entrar cortei a perna. Fiquei quietinho na casa e achei que fossem embora. Ouvi barulho de carros estacionando na frente. Daí ouvi um dizer: ‘Esse vagabundo deve estar aí dentro, olha sangue aqui’. Daí subi pela parte interna da janela até o forro e me escondi”.
A vítima permaneceu em silêncio e ouvia os indivíduos falando e quebrando telhas, até que a encontraram.

“Tinha lá em cima no telhado uns quatro caras que começaram a bater com as telhas na minha cabeça, no pescoço, bem forte, telhas de cimento, batendo e dizendo ‘Morre filho da p*, morre seu verme’, bateram muito na nuca até que caiu do forro no chão e os outros começaram a chutar a costela, dar pauladas no corpo, pedradas, sempre mandando morrer, quando teve a ideia de fingir que morreu. Disseram: ‘Ele desmaiou’. Fiquei com os olhos fechados. Me arrastaram até o lado de fora e me jogaram no porta-malas desse carro velho, o Fiesta. Lá dentro, antes de saírem, o que estava dirigindo disse para tapar meu olho caso acordasse. Amarraram uma blusa no meu rosto e dirigiram por um tempo até o meio de um matagal. Lá continuei com os olhos fechados e abria bem pouco para ver onde estava e percebi apenas eucaliptos”.
“Os caras telefonaram para alguém que disse para antes de matar me investigar. Lá alguns diziam ‘Já vamos matar ele’ e outros para esperar que o comando havia mandado investigar. Daí me colocaram de novo no porta-malas, já estava quase de manhã, eu ainda fingindo desmaio e me levaram, com os olhos vendados, até uma casa afastada, quando me tiraram o pano estava em um quarto”.

No local, a vítima contou que ouvia apenas barulhos de bichos e que parecia um sítio.

“Fiquei nesse quarto e estava sangrando muito. Apanhei demais. Os caras entravam e saíam toda hora. Mas, apenas esse gordinho conversava comigo e a partir daí não mais apanhei, apenas a pressão continuou, os caras mandando confessar logo que era FDN. Implorava por água e não me davam. Jogaram um colchão no chão e avisaram que iria ficar ali no cativeiro por mais de um ano até abrir a real que era FDN. Eu sempre negando e falando que era trabalhador, de igreja. Pegaram meu celular e mandaram telefonar para uns familiares”.
Foi quando ligações foram feitas e a vítima foi instruída a dizer que estava em um churrasco.

“Fiquei na mão dos caras até a madrugada do dia 4. Nesse meio tempo eles me deram almoço e janta, e me deram um remédio de dor. Estava sangrando muito, o buraco aberto na perna, ouvia eles conversando dizendo que ou me matariam ou deveriam me socorrer, pois, não iria aguentar muito tempo.”

“Implorava para me liberarem que iria embora e eles apenas riam, que sairia dali apenas se confessasse. Daí, na madrugada do dia 4, um cara chegou no quarto e me disse que tinham dúvida se era FDN. Mas que se não fosse embora morreria.”

Os indivíduos questionaram a vítima se ela os denunciaria caso fosse liberada, e a vítima disse que não, que iria embora.

“Daí disse que sabia onde minha família morava e que se denunciassem os caras ou que se alguém fosse preso por que denunciei eles matariam todo mundo e iriam atrás de mim onde estivesse, pois, o PCC era forte e tinham irmãos em todos os lugares. Disse que iria esquecer, que não queria nada com eles. Daí tiraram uma foto do meu rosto todo arrebentado, com sangue, disseram que encontrariam se fodesse com eles”.
O rosto da vítima, então, foi vendado com uma camiseta. Ela foi colocada novamente no carro e deixada perto da casa de seu pai.

“Fui me arrastando no muro até que, na esquina, meu pai veio correndo. Fiquei com medo e disse a ele que tinha sofrido um acidente de moto. Depois ele me socorreu no hospital e a médica não acreditou que tinha sido assaltado, disse isso e ela me falou que não tinha visto nada daquilo. Fizeram exames, deram pontos, tomei soro e fui liberado no outro dia. Até hoje, mais de 1 mês, ainda tomo antibiótico. Minha perna deu infecção. Não consigo trabalhar. Fiquei muito assustado. Vim embora uns dois ou três dias depois que saí do hospital. Nunca mais volto a Prudente”.

“Tinha a certeza que morreria. Bateram demais, ameaçaram o tempo todo, me sequestraram, senti muita dor, sede, pressão na cabeça, queriam que eu confessasse que era da facção FDN só para me matar, não confessei, mesmo eles falando que eram PCC, sofri muito naqueles dias, a todo tempo implorei por minha vida e eles apenas riam, Deus me livre, nasci de novo (sic)”.
A vítima foi embora para local não divulgado por questão de segurança

“Agradeço vocês pela investigação, o empenho, nem fiz BO [Boletim de Ocorrência] e vocês foram atrás. O que posso dizer é que Deus me deu uma nova chance. Sequestraram sim, fiquei em cativeiro por um dia e meio, só me liberaram quando viram que não era de facção nenhuma e estava morrendo, fizeram pressão com muitas ameaças para confessar algo que não era verdade, só por causa do meu sotaque, bateram muito em mim sim, telhadas na cabeça, na nuca, no corpo, chutes nas costelas, pauladas, pedras, muita surra. Diziam e queriam me matar sim, falando com orgulho que eram do PCC”.
“Foi difícil, mas apesar dessa infecção, sobrevivi, graças a Deus. Não denunciei com medo de matarem a minha família em Prudente e eu mesmo. Mas, foram vocês que me acharam, não denunciei ninguém, não é isso, eles não poderão falar que quebrei a promessa. Não fui em médico aqui não. Apenas em Prudente. Estou curando com repouso e antibióticos (sic)”.

Desesperado
O pai também prestou depoimento e confirmou que o filho veio a Presidente Prudente para tentar arrumar um emprego.

Contou que, na data dos fatos, a vítima saiu de casa por volta das 15h dizendo que iria fumar e jogar bola na quadra do Parque do Povo. Já no período da noite, ficou muito preocupado e foi atrás.

Ele contou que no dia seguinte foi à Delegacia Participativa da Polícia Civil para registrar o desaparecimento da vítima, mas recebeu uma ligação da esposa dizendo que o filho havia enviado mensagens.

Mas o filho continuou sumido e o pai, preocupado.

"Quando foi umas 4h da manhã, já para amanhecer o dia 4/01 (quinta), minha esposa tem problemas de saúde e fica a noite acordada, daí ela me chamou e mostrou [a vítima] descendo a rua, se arrastando, todo machucado. Corri até ele. Doutor, ele estava quase morto. Estava pálido, branco, sem sangue. Se fosse eu ou o senhor tinha morrido, mas, ele é grande e forte. Ele estava com uns panos amarrados. Tinha muito sangue, estava mal mesmo, desesperei e perguntei o que havia acontecido e ele apenas disse que tinha caído de moto. Sabia que era mentira, mas, não quis brigar e só pensava na vida dele”.

Ambos entraram na casa e o pai tirou os panos e “deu uma limpada” nos ferimentos. Seguiram para o hospital.

“Estava com um inchaço na cabeça, arranhões nas costas, muitos cortes, alguns profundos parecendo faca. A médica mandou ele para o soro, pois estava fraco demais, ela disse que perdeu muito sangue. Fizeram raio-x, daí depois foram dar os pontos. Deram por baixo 50 pontos nele”.
“Daí limparam o meu filho, mandaram dar uns remédios, são antibióticos e injeção de tétano, daí saímos do hospital e fomos para casa. Meu filho entrou no carro já me pedindo para ir embora para [outra localidade], dizendo que estava com medo de morrer, apavorado”.

O pai perguntou o que havia acontecido e o filho relatou os fatos.

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