sábado, 15 de julho de 2017

Com milhões sobrando, taxa de luz tem ponto obscuro e suspeita de inflar caixa

“Vejo como uma manobra contábil. Retém o dinheiro em caixa para não extrapolar os índices da LRF", diz vereador

Aline dos Santos e Yarima Mecchi
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Taxa foi criada em 2002 para custeio da iluminação pública, que deveria iluminar Campo Grande à noite.
(Foto: Marcos Ermínio)Taxa foi criada em 2002 para custeio da iluminação pública, que deveria iluminar Campo Grande à noite. (Foto: Marcos Ermínio)
















Criada há 15 anos para custear as luzes da cidade, a Cosip (Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública) tem enredo com diversos pontos no escuro. Enquanto a prefeitura admite ter R$ 25 milhões da taxa guardados, Campo Grande vive com diversas ruas no 'breu'.
A Câmara Municipal pediu dados para abrir a “caixa-preta” da cobrança e sugere valor único e inclusão de 86 mil terrenos, mas a prerrogativa de fazer mudanças é do prefeito Marquinhos Trad (PSD).
“Vejo como uma manobra contábil. Retém o dinheiro em caixa para não extrapolar os índices da LRF, para não cometer crime de responsabilidade. A prefeitura não pode comprometer acima de 54% com a folha de pagamento, porque entra no nível crítico. Precisa ter volume de dinheiro para respeitar, por isso é quase uma pedalada fiscal”, afirma o presidente da comissão de Finanças e Orçamento, vereador Eduardo Romero (Rede).
Segundo o parlamentar, outra conta que não fecha é a média de arrecadação ser de R$ 7 milhões e o gasto não passar de R$ 2 milhões por mês. “Essa é outra discussão. A Cosip arrecada mais do que precisa. O que a gente está discutindo é cobrar de acordo com demanda”, afirma Romero.
Tem muita coisa que é obscura nessa cobrança,
afirma Papy. (Foto: Eliza Mustafa)"Tem muita coisa que é obscura nessa cobrança", afirma Papy. (Foto: Eliza Mustafa)















A Câmara pediu à prefeitura dados dos últimos três anos da receita, despesa, contratos e notas fiscais que comprovem o gastos da Cosip. Conforme Romero, o poder público pediu prorrogação e está dentro do prazo para enviar os documentos.
Sem comprovação oficial, surgem valores como R$ 144 para troca de uma lâmpada normal por LED e de que a Energisa, concessionária de energia elétrica, faz retenção de caixa de R$ 500 mil. “Seria para compensar os inadimplentes, uma garantia de recebimento, uma espécie de seguro, mas não tem informação técnica”, afirma o vereador.
Até junho deste ano, a arrecadação da Cosip deveria ser destinada de forma exclusiva à iluminação pública. Contudo um decreto do prefeito, amparado por uma emenda à Constituição Federal vigente até 2023, autorizou que até 30% da receita seja desvinculado.
A estratégia contábil é negada pela prefeitura. “Isso não existe”, diz o secretário municipal de Finanças e Planejamento, Pedro Pedrossian Neto. O prefeito afirma que não existe retenção por parte da concessionária. “Eu quero que eles mostrem onde estão os R$ 500 mil, isso não existe”, diz Marquinhos.
O prefeito, em tom enfático, declara que os vereadores podem ter acesso a todas contas da administração municipal.
Caixa-preta - “Tem muita coisa que é obscura nessa cobrança. Mas se as propostas forem atendidas pelo Executivo, você não precisa abrir a caixa-preta e vai solucionar o problema. Existe um encaminhamento para cobrança fixa e não proporcional, por exemplo”, afirma o presidente da comissão de Defesa do Consumidor, Epaminondas Vicente Silva Neto (SD), o Papy.
Na classificação “obscura” entra situações como quantos dias depois de arrecadada a taxa os valores são repassados para a prefeitura, como que se faz com o inadimplente na conta da luz, se juros e multas têm incidência na Cosip e o custo para manutenção da rede.
Para ele, o modelo atual é injusto e exemplifica que 200 moradores de um prédio pagam por um ponto de iluminação pública. “Um terreno baldio não paga nada e é problema nos bairros por questão de segurança pública. É o lugar para guardar drogas, objeto furtado, condicionante para estupro. Mas os terrenos não são contabilizados porque não são unidades consumidoras”, salienta Papy. Na cidade, são 86 mil terrenos.
Ainda não há cálculo de quanto deveria ser o valor da Cosip, no caso de uma taxa única. Segundo o vereador, também foi proposto um Plano Municipal de Iluminação Pública.
Números – O relatório resumido de execução orçamentária de Campo Grande mostra previsão de arrecadar 92,5 milhões com a Contribuição de Iluminação Pública. Conforme a prefeitura, são R$ 25.534.986,98 em caixa. Neste ano, o poder público informa a seguinte arrecadação: março (R$ 588 mil), abril (R$ 2,3 milhões), maio (R$ 4,1 milhões) e junho (R$ 4,4 milhões).
A taxa foi suspensa por seis meses pela Lei Complementar 285, promulgada pela Câmara Municipal em julho de 2016. À época, a justificativa foi de que a prefeitura tinha R$ 53 milhões em caixa, portanto, dinheiro suficiente para custear a iluminação pelos 180 dias.
A questão foi parar na Justiça, que primeiro manteve a suspensão e, depois, ao analisar o mérito, liberou a cobrança com efeito “ex tunc”, que permitia a cobrança retroativa de R$ 42 milhões. Mas a medida foi suspensa.
Conforme Pedro Pedrossian Neto, a média de arrecadação varia de R$ 6,5 milhões a R$ 7 milhões. Uma parte fica com a concessionária e a prefeitura recebe em torno de R$ 4 milhões. A média de gasto mensal é inferior a R$ 3 milhões. “Estamos fazendo um plano de expansão para compra de mais lâmpadas, são 30 mil postes sem luminária e a cidade está no escuro”, diz.
Histórico – Primeiro, a cobrança para o custeio do serviço de iluminação pública foi definida pela Lei Complementar 51, de 23 de dezembro de 2012. No ano seguinte, surge a Lei Complementar 58, de 30 de setembro de 2003. O documento previa a validade da lei a partir de primeiro de janeiro de 2004. A segunda legislação institui a cobrança nos termos da Constituição Federal.
Previsão para 2017 é arrecadar R$ 92 milhões com taxa de luz. (Foto: Alcides Neto)Previsão para 2017 é arrecadar R$ 92 milhões com taxa de luz. (Foto: Alcides Neto)

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